quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Se aquele bigode falasse


Se aquele bigode falasse

Já se perdeu a conta das vezes em que o brasileiro teve razões para irritar-se e indignar-se com o senador maranhense-amapaense José Sarney. Em todas essas ocasiões ele escarneceu da opinião pública, escondido atrás do seu escudo mais poderoso, o tempo. De fato, é impressionante como esse velho político (no sentido de representante da política velha) consegue driblar o confronto com os bombardeios de denúncias que periodicamente se concentram nessa ou naquela irregularidade que tenha aprontado. Em vez de enfrentar as acusações, ele se retrai, confiante de que o passar das semanas e dos meses vai reduzir o ímpeto de seus acusadores, seguro de que outros assuntos vão surgir para deixá-lo em sossego.

Tem dado certo (para ele) com tanta frequência que não é impossível que passe sem resultados concretos a indignação produzida atualmente pela decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de anular as provas obtidas pela Polícia Federal na operação que investigou os negócios do seu filho Fernando Sarney, o encarregado de tocar o conglomerado empresarial da família. São provas de tráfico de influência em órgãos do governo federal, formação de quadrilha, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro. Segundo decisão unânime do STJ, foram obtidas em "grampos" não autorizados e, por isso, não valem.

São provas reunidas desde 2007, a partir da movimentação suspeita de R$ 2 milhões na conta de Fernando Sarney e de sua mulher, Teresa Murad Sarney. São provas de um comportamento conhecido há tempos nos meios políticos. São provas que o jornal "O Estado de S. Paulo" foi proibido de investigar e publicar, no que já se tornou o mais chocante caso de censura à imprensa em tempos de democracia no Brasil. São provas, de resto, que confirmam a extensão do poder de Sarney até o território supostamente neutro e invulnerável do Judiciário.

Sua influência no Executivo e no Legislativo é ostensiva e antiga. Vem desde os tempos da ditadura militar, que ele apoiou com devoção até a penúltima hora, quando se bandeou para a oposição que mostrava forças para se converter em situação. Na bateria de denúncias de atos secretos e nepotismo, em 2009, até o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, proclamou a decisão "irrevogável" de apoiar as investigações. Chamado ao Palácio pelo então presidente Lula, Mercadante revogou a decisão. Ao comentar o fato, Lula disse que Sarney não podia ser tratado como "uma pessoa comum".

Pessoas comuns, de fato, não são como Sarney, esse político velho que apronta e escapa, sempre. Em recente comentário na Rádio CBN, a cientista política Lúcia Hipólito levantou a suspeita de que Sarney deve saber de algum segredo que comprometa Lula e figurões do PT. Talvez seja essa, realmente, a explicação, pois muita gente por certo cairia, se aquele bigode falasse.

Editorial do Diário de São Paulo

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