sábado, 24 de setembro de 2011

Maranhão 66, o avesso do avesso



Está bombando no YouTube e provocando acessos de gargalhadas e
deboches um filme de sete minutos em preto e branco com o prosaico
título Maranhão 66.
Aparentemente é um documentário sobre a posse de José Sarney no
governo do Estado, feito por encomenda do eleito. Mas é assinado por
Glauber Rocha.

Com 35 anos, cabelos e bigode pretos, Sarney discursa para o povo na
praça, num estilo de oratória que evoca Odorico Paraguaçu, mas sem
humor, a sério, que o faz ainda mais caricato e engraçado. Sobre seu
palavrório demagógico, Glauber insere imagens da realidade miserável
do Maranhão, cadeias cheias de presos, doentes morrendo em hospitais
imundos, mendigos maltrapilhos pelas ruas, crianças esquálidas e
famintas, enquanto Sarney fala do potencial do babaçu.

Só alguém muito ingênuo, ou mal-intencionado, poderia imaginar que
Glauber Rocha fizesse um filme chapa branca. Em 1964, com 25 anos, ele
tinha se consagrado internacionalmente com "Deus e o diabo na terra do
sol" e vivia um momento de grande prestígio, alta criatividade e
absoluto domínio da técnica e da narrativa cinematográfica. E odiava a
ditadura que Sarney apoiava.

O filme dentro do filme é imaginar o susto de Sarney quando o viu. Em
vez de filmar uma celebração vitoriosa, Glauber usou e abusou da
vaidade e do patrocínio de Sarney para fazer um devastador
documentário sobre um arquetípico político brasileiro.
Glauber dizia que o artista também tem de ser um profeta; mas a sua
obrigação é de profetizar, não de que as suas profecias se realizem. O
discurso de Sarney e as imagens de Maranhão 66 são os mesmos do
Maranhão 2011, num filme trágico, cômico, e, 46 anos depois,
profético.

Nelson Motta

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