segunda-feira, 2 de abril de 2012

O Dia do Oligarca




Franklin Douglas (*)

Fosse vivo, talvez o Padre Antonio Vieira não tivesse opinião diferente do Maranhão de hoje em relação ao que conhecera em 1652, quando, em desgraça na Corte portuguesa, foi enviado, numa espécie de exílio, para o lugar onde “até o céu mentia”.

“A verdade que vos digo é: no Maranhão não há verdade”, sentenciou ele no seu Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, em São Luís, em 1654.

Terra de mentirosos e ladrões, proferia Vieira sobre o Maranhão, em seu Sermão do Bom Ladrão, em 1655:

“O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento. Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos”. (grifo nosso)

Qualquer semelhança com o Maranhão deste início do século XXI com aquele da segunda metade do século XVII, retratado por Vieira, não é mera coincidência. Mudam-se os ladrões de alta esfera, mas os reis (ou rainhas) de hoje continuam a encomendar o governo das províncias para que eles continuem, já com a manha, a roubar e despojar o povo.

O 1º de abril como o Dia da Mentira foi uma invenção francesa. O povo, arredio à determinação do rei Carlos IX, que adotara o calendário gregoriano e determinara que o ano-novo passasse de 25 de março para 1º de janeiro, continuava a comemorar o início da primavera na França e o ano-novo, em festas que duravam uma semana (a partir de 25 de março) e terminavam em 1º de abril. Gozadores com aqueles que não assumiam o novo calendário imposto pelo rei, enviavam convites para festas de ano-novo em 1º de abril que não existiam, dentre outras brincadeiras. Daí o 1º de abril passou a ficar conhecido como o Dia da Mentira.

No Brasil, a primeira patranha circulou na publicação mineira A Mentira (em 1º de abril de 1828): a falsa notícia da morte de Dom Pedro I, desmentida no dia seguinte.

No Maranhão, as patranhas, as inverdades, as mentiras, têm se personificado em seu oligarca-maior, o senador José Sarney. Ao fim da vida, o morubixaba tenta reescrever sua biografia em cima de patranhas mil. A última, nesta semana que termina em 31 de março (48 anos do Golpe Militar!), na sessão solene do Senado Federal em homenagem ao aniversário do PCdoB, o senador amapo-maranhense discursou seu compromisso com a Democracia e sua contrariedade com a Ditadura Militar. Logo ele...

Se Sarney insiste em querer fraudar a História como sua oligarquia frauda as eleições, felizmente há uma consciência crítica que não lhe deixa mentir ou repetir mil vezes a mentira para que ela se torne verdade. Pensamento crítico presente em diversas gerações.

Como na geração de Hélio Fernandes:

“Em 1970 Lacerda estava no exterior, deprimido, Sarney foi eleito senador, uma amizade que não prosperou nem progrediu [como Sarney inventava, em carta a Hélio Fernandes em agosto de 2004 e à qual Fernandes respondia neste trecho] (...) Lacerda foi cassado no dia 30 de dezembro de 1968, viajou para a Europa no dia 2 de janeiro de 1969. Mas ainda encontrou tempo para se despedir dos amigos com os quais ficou sequestrado pela ditadura. Enquanto isso acontecia, o amigo Sarney estava na Arena e no PDS, os dois partidos, sustentáculos da ditadura.” (Hélio Fernandes, em texto publicado no Tribuna da Imprensa (RJ) e repercutido no Jornal Pequeno, em 14/08/2004).


Na geração de Wagner Baldez:

“Enquanto estes ‘comiam o pão que o Diabo amassou’, isto pelo fato de persistirem fiéis aos princípios que defendiam, Sarney, sorrateiramente, abandona os antigos e diletos companheiros [da Bossa-Nova da UDN] para aliar-se aos militares golpistas; chegando a ocupar o cargo de presidente do Partido dos ‘CASACA-VERDES’!” (Wagner Baldez, no artigo “O violentador da verdade”, no Jornal Pequeno de 11/03/2012).

Na geração de Haroldo Saboia:

“Sarney mente compulsivamente. (...) Outra invencionice gabola tão reprisada por Sarney é que foi o ‘único governador do país a protestar contra o Ato-5’, editado em 13 de dezembro de 1968 (...) longe de protestar, bajula. Exalta a ditadura militar e bajula os ditadores de plantão em especial o marechal Costa e Silva. ‘Fui eleito pelo Povo. MEU MANDATO TROUXE A MARCA DA LUTA E SÓ FOI POSSÍVEL GRAÇAS À moralização eleitoral, às garantias surgidas e à liquidação da oligarquia política, OBRA, COMO TANTAS VEZES AFIRMEI, DA REVOLUÇÃO QUE EU APOIEI E POR ELA FUI APOIADO’ ” [escreveu Sarney no Jornal O Dia de 18/12/1968] (Haroldo Saboia, no artigo “Sarney e a Ditadura Militar: bajulação e mentira”, no Jornal Pequeno de 07/08/2009).

Na geração de César Teixeira, Emílio Azevedo e da equipe do jornal Vias de Fato:

“No discurso de Sarney, no lugar do ex-presidente da ARENA, aparece de súbito ‘um democrata’; em vez do afilhado e ex-correligionário de Vitorino Freire, surge um ‘oposicionista firme e corajoso’; (...) o aliado visceral de torturadores é ‘quase um comunista’ (...) [Esquece Sarney, em entrevista à TV Guará, em 27/03/2012] (...) a ‘universidade da fraude’, nas urnas de ‘Zé meu filho’, nas diabruras do desembargador Sarney Costa, nas velhas chicanas jurídicas, no golpe de 64, no AI-5, na construtora Mendes Júnior, nos ilícitos junto ao Diário Oficial, no processo contra Ribamar Bogéa e Freitas Diniz, na Lei de Terras, nas baixarias do Jornal de Bolso, na brutal grilagem ocorrida no Maranhão, nos inúmeros assassinatos no campo, na Fazenda Maguari, na tortura, no atentado contra Manoel da Conceição, na inflação de quase 100% ao mês, no desastre da Nova República, na CPI da Corrupção, na distribuição de concessões de TV, no Caso Reis Pacheco, do Convento das Mercês, etc.” (Editorial “José Sarney e sua síndrome biográfica”, publicado no saite do Vias de Fato, em 29/03/2012).

Na novíssima geração crítica das redes sociais que mobilizam jovens mundo afora e Maranhão adentro, no escracho sobre a piada da semana – Sarney, o democrata –, que se multiplicou via Facebook e Twitter: se a coluna Prestes [liderada por Luís Carlos Prestes, líder comunista brasileiro] tivesse conquistado o poder, o primeiro telegrama a chegar em Moscou diria: camaradas, vencemos! Saudações socialistas, José Sarney.

Para desespero do velho coronel, sua versão da História não prosperará, a não ser como pegadinhas de 1º de abril. Afinal, Padre Antonio Vieira, no púlpito do Convento das Mercês, de onde proferia seus sermões, acertou tanto na caracterização do Maranhão de XVII quanto nos traços de sua elite que nos propicia identificar, em cada era, aqueles que personificam o Maranhão das mentiras e do atraso.


Franklin Douglas - jornalista e professor, escreve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno






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